Destaques • atualizado em 13/06/2017 às 21:06

Diretas Já: 33 anos do comício que mudou o Brasil

Com texto do blog do Marcus Vinícius


A campanha das Diretas Já nos anos 1980 foi a maior mobilização cívica do Brasil, mais de dez milhões de brasileiros foram às ruas pedir a volta da democracia com o direito de votar para presidente e pela instalação de uma Assembleia Constituinte para dar ao país uma nova Constituição, pondo fim ditadura militar. O primeiro passo dessa longa marcha que percorreu ruas e praças em todo país teve início em Goiânia, onde foi realizado no dia 15 de junho de 1983, o primeiro comício da campanha Diretas Já.

No dia 02 de março de 1983 o deputado Dante de Oliveira (PMDB/MT) apresentou no Congresso Nacional PEC nº 5 (Proposta  Emenda Constitucional), que ficou conhecida como a Emenda das Diretas. Sua intenção era devolver ao povo o direito de escolher pelo voto direto o presidente da República. A bancada do PMDB encaminhou à executiva nacional do partido documento com planos para campanha pelas diretas. Mas ficou a dúvida: onde seria o primeiro comício? O país ainda vivia sob o ordenamento jurídico da ditadura, entre outros a Lei de Segurança Nacional, que vedava a realização de atos contra o regime militar. Eleito para o seu primeiro mandato como governador de Goiás, Iris Rezende topou o desafio e no dia 15 de junho de 1983 foi realizado o primeiro comício, que naquele dia reuniu apenas 6 mil pessoas. Apesar de modesto, aquele primeiro comício foi significativo, pois rompeu o medo, enfrentando a ditadura convocando o povo para ir às ruas.
A partir de Goiânia a campanha pelas Diretas foi tomando corpo e foram realizados comícios em Terezina, Recife, Ponta Grossa e São Paulo. Ao todo foram 40 comícios que se seguiram de norte a sul do país. Entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), União Nacional dos Estudantes (UNE) se somam a outras entidades e a uma frente partidária que reúne PMDB, PT e PDT realizando mobilizações pelo  Brasil.
Inflação e fome
Naquele ano de 1983 eram comuns os panelaços na Avenida Goiás e nas ruas centrais de outras capitais do país, mas ao contrário de 2016, não eram os ricos que batiam panelas, mas sim os pobres, nas passeatas contra a carestia promovidas pelas comunidades de base da igreja católica e militantes de movimentos comunitários e de partidos de esquerda. Um dos personagens desta campanha, que seria eleito vereador em 1985 foi o “Geraldão da Bicicleta”, que percorria as ruas montado na sua magrela batendo panela contra a política econômica da ditadura. Naquele ano de 1983 a inflação chegou a extraordinária taxa 239%, o povo não tinha emprego e passava fome numa economia que vivia a “estagflação”: estagnação econômica com hiperinflação.
Novos líderes
Goiânia deu o pontapé para a mobilização cívica que tomaria conta do país e abriu espaço para novos personagens na politica. Líder do movimento “Pula Catraca”, Denise Carvalho era presidente do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UFG (Universidade Federal de Goiás nos anos de 1983/84. Através do DEC “ Tempo de Unir”, Denise conduziu a luta do pula-catraca, onde os estudantes se recusavam a pagar a passagem, literalmente passando por cima da catraca do ônibus, num protesto que levaria à conquista do meio passe estudantil. Em 1983 Denise participou da formação do  Comitê Goiano Pelas Eleições Diretas pra Presidente da República, que tinha a participação dos professores Silvio Costa (P/c do B), Darci Accorsi (PT), Cleuber Cardoso, do deputado estadual Tobias Alves (PMDB) e o estudante Osmar Pires (PC do B).
Darci seria eleito prefeito de Goiânia em 1985 (ganhou mas não levou) e em 1992. Em 1984 Denise foi  eleita presidente da UEE-GO (União Estadual dos Estudantes de Goiás). Seria eleita depois vereadora e deputada estadual por três mandatos No grande comício de 12 de abril  de 1984, falaria em nome dos estudantes.
Dez governadores
Nas eleições de 1982, foram eleitos os primeiros  governadores pelo voto direto, desde 1965. .A oposição elegeu dez, dos 22 governadores de então. Em Goiás foi eleito Iris Rezende (PMDB), em Minas Gerais, Tancredo Neves (PMDB), no Rio de Janeiro, Leonel Brizola (PDT), em São Paulo, Franco Montoro (PMDB), no Paraná José Richa, no Pará, Jader Barbalho (PMDB), no Amazonas, Gilberto Mestrinho (PMDB), no Acre, Nabor Júnior (PMDB), no Mato Grosso, Wilson Martins (PMDB) e no Espirito Santo, Gerson Camata (PMDB). Foi a eleição destes dez governadores que permitiu a realização da campanha das diretas. A campanha das diretas é fruto da determinação de Tancredo Neves, que enfrentou os golpistas em 1954, como ministro de Getúlo Vargas e, em 1964, como líder do governo Goulart e em 1983 topou o desafio de fazer a marcha cívida pelas diretas. Ao lado de Tancredo perfilaram-se todos os demais governadores de oposição que mobilizaram as forças políticas em seus estados em favor da volta da democracia.
A emenda das diretas foi à votação foi ganhando adesão popular. De acordo com pesquisa feita naqueles dias pelo IBOPE, 84% da população brasileira era favorável à aprovação da emenda. O crescimento da mobilização popular assustou a ditadura.  Uma semana antes da votação da emenda Dante de Oliveira, marcada para o dia 22 de abril, o general presidente João Baptista Figueiredo decretou estado de emergência no Distrito Federal, em Goiânia e em onze municípios goianos, sendo eles do entorno da capital do país, como Anápolis, Luziania, Formosa, Cristalina, outros da estrada de ferro como Catalão, Pires do Rio, Ipameri e cidades consideradas estratégicas como Goianésia, Itumbiara e Jataí. A medida foi tomada, sobretudo após o comício do dia 12 de abril em Goiânia, que mobilizoiu 30% dos cerca de 800 mil habitantes que a capital tinha na época. Os militares se assustaram ao ver 300 mil pessoas nas ruas e decidiu isolar Brasília, evitando novas manifestações pró-Diretas e intimidar o Congresso Nacional. O direito de reunião foi suspenso e foi se estabelecida a censura aos noticiários de rádio e TV.
O presidente do PMDB, Ulysses Guimarães, em discurso enérgico, condenou “o ato ditatorial que afronta a nação”. O presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, diz que “o governo assinou seu atestado de óbito”. Um dia antes de decretar as medidas de emergência, o governo havia apresentado uma emenda constitucional marcando eleições presidenciais para 1988. Ulysses rejeitou a proposição.

O grande comício

Segundo a ex-deputada Thelma de Oliveira, viúva do deputado federal Dante de Oliveira, “Jamais passou pela cabeça do Dante que a emenda se transformaria num fantástico movimento de massas”. Mas foi o que aconteceu. Goiânia, que deu o pontapé para os comícios que tomaram conta do Brasil, foi também a cidade que proporcionalmente colocou mais pessoas nas ruas. O comício do dia 12 de abril, foi um dos último antes da votação da Emenda das Diretas. Pela importância de Goiânia, como a capital mais próxima de Brasília, o evento tratado como estratégico,e muito empenho foi feito para que tudo corre bem.
O jornalista Juscelino Kubstchek, o JK, é uma das testemunhas desta história. Em 1984 era repórter da Rádio Brasil Central (1270 AM) a mesma que em 1962 formou com a Rádio Guaíba a Rede da Legalidade, formada pelos governadores de Goiás, Mauro Borges (PSD) e do Rio Grande do Sul Leonel Brizola (PTB), cuja mobilização garantiu a posse do presidente João Goulart. JK conta que todo o aparato de comunicação do Estado, formado pela RBC, TV Brasil Central e os equipamentos de som do antigo Cerne (atual ABC) foram mobilizados para garantir ampla transmissão do evento para todo o Estado e todo o país, uma vez que as ondas médias da  RBC alcançavam todo o território nacional. “Naquele dia fiquei no palco, do lado esquerdo de Tancredo Neves, com equipamento da rádio transmitindo todo o discurso”, rememora.
Severo Gomes era da oposição sindical ao Sintel (Sindicato dos Telefônicos). Naquele dia do comício trabalhou arduamente na realização de novos cabeamentos para que houvessem linhas disponíveis para os realizadores do comício e da imprensa. “Trabalhei tanto que não fiquei no comício, mas sei que foi uma festa maravilhosa”, comenta. Ex-secretário de Finanças do Município o então estudante Geovalter Correia, chegou em Goiania em 1984 do território federal de Roraima, e já era militante pelas diretas. Ele conta que o que mais o impressionou naquele dia foi o discurso do jurista Paulo Brossard, que viria a ser ministro do Supremo Tribunal Federal. “Ele chamou a juventude a ir para as ruas para buscar de volta a liberdade que foi tomada pelos militares. Era o que os jovens queriam ouvir”, frisa.
Estudante de Estudos Sociais na Universidade Católica de Goiás, Luis Cesar Bueno era presidente do Centro Acadêmico foi para a Praça Cívica ao lado de estudantes da UCG e militantes do PT com faixas, bandeiras e folhetos impressos em mimiógrafos. “Foi um dia de muita efervescência. Os jovens acreditavam que podiam mudar o país e de fato, a mudança aconteceu, com a Constituinte em 1988 e as eleições diretas em 1989”, pontua. Luis Cesar engajou de fato na política, tendo sido eleito por duas vezes vereador e está agora no quarto mandato de deputado estadual.
Durval Mota, que era militante da ala do MDB autêntico, ocupou o Monumento das Três Raças com bandeiras do PMDB, do Brasil e das Diretas. Ex-presidente do Idago (Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás), Durval viria a ser um dos principais responsáveis pela demarcação da terra dos Calungas, nos municípios de Cavalcante e Monte Alegre.
Tarzan de Castro era deputado estadual pelo PMDB. Ele destaca naquele dia o discurso de Tancredo Neves: “Meus irmãos de Goiás, eu nunca me dou conta, se sou mineiro dentro de Goiás ou se sou goiano dentro de Minas Gerais. É que as divisas que nos separam são linhas convencionais, elas não conseguem deter a torrente de afeto, de estima, de respeito e admiração que nossos povos nutrem. Hoje nesta noite nesta praça, eu me orgulho de ser goiano pelo sentimento, porque eu vejo a minha gente em praça pública não se se curvando, não se acomodando e se rebelando. As eleições diretas são uma imposição da consciência democrática de nosso povo. Impedi-las é desrespeitar a nação. Impedi-las é profanar a nossa gente. Impedi-las é amesquinhar a dignidade cívica de nossos irmãos”.

Vitória na derrota

A Emenda das Diretas foi derrubada em votação na Câmara dos Deputados na noite de 25 de abril de 1984. Houve 298 votos a favor, 65 contra, 113 ausências e 3 abstenções. Por ser emenda constitucional, seria necessário a aprovação de dois terços da casa (320 votos). Com a derrota, por apenas 22 votos, a emenda nem sequer foi apreciada pelo Senado Federal. Apesar do resultado desfavorável no Congresso Nacional, o povo nas ruas já havia decretado o fim da ditadura. O fim do regime militar era irreversível.
A campanha das diretas rachou o PDS. A legenda da ditadura, que era chamado de “o maior partido do Ocidente”, cindiu-se e o seu presidente, o senador José Sarney, saiu da sigla formando o PFL juntamente com Marco Maciel (PE), Antônio Carlos Magalhães (BA) e Hugo Napoleão (PI). Esta nova legenda, formaria a Aliança Liberal com o PMDB de Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. No dia 15 de janeiro de 1985, por 480 votos 72,4%), Tancredo Neves derrotou no colégio eleitoral o candidato da ditadura, o Paulo Maluf (PDS-SP), que teve 180 votos (27,3%).
No dia  5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, que proclama no seu Art. 1º :
“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Aquele primeiro comício tímido em Goiânia, num certo 15 de junho de 1983, seria o responsável, cinco anos depois, por devolver o pais á democracia e dar ao Brasil uma constituição cidadã. Como disse, sabiamente o filósofo chinês Lao Tsé: “uma jornada de mil milhas começa com o primeiro passo”.


A Televisão Brasil Central registrou o fato numa série sobre a memória da emissora. A reportagem de Vonivar Campos entrevistou os senadores Henrique Santillo e Mauro Borges.
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