Uma carta publicada na revista científica The Lancet nesta quarta-feira, 12, critica a falta de transparência em relação aos dados da terceira fase de testes da vacina Sputnik V, financiada pelo Fundo Russo de Investimento Direto. O texto é assinado por nove pesquisadores de universidades da Holanda, Itália, França, Estados Unidos e Rússia.
Os cientistas falam que o acesso aos dados da pesquisa é restrito e que há “erros aparentes e inconsistências numéricas” nos resultados do estudo de fase três do imunizante russo. Também apontam que “várias solicitações independentes de acesso ao conjunto de dados brutos” foram feitas, mas não houve resposta.
No mês passado, a Anvisa negou o pedido de dez Estados brasileiros para a importação da vacina russa. Uma das críticas do órgão brasileiro foi justamente a falta de dados básicos sobre a pesquisa. O fundo russo rebateu a agência, acusando-a de ter negado a autorização por pressão dos Estados Unidos.
Na carta à Lancet, os cientistas falam que o acesso a esses dados é fundamental para a confirmação dos resultados alegados. “O compartilhamento de dados é um dos pilares da integridade da pesquisa”, dizem. Segundo o texto, os pesquisadores envolvidos nos estudos da Sputnik V afirmam que os dados não serão compartilhados antes da conclusão dos testes.
Outras preocupações dos cientistas estão relacionadas ao protocolo do estudo. De acordo com a carta, três análises provisórias foram adicionadas ao estudo da Sputnik V, mas a mudança não consta no site oficial que reúne dados de testes clínicos, o clinicaltrials.gov. Ainda sobre esse assunto, eles questionam o método de recrutamento e randomização dos voluntários. “Não há informações sobre o que ocasionou a exclusão de 13.986 participantes.”
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Também criticam a falta de “algumas informações cruciais”, como os parâmetros clínicos usados para determinar o que é um caso suspeito de covid-19 entre os voluntários, quais protocolos de diagnóstico foram usados e quanto o teste PCR foi feito. Sem saber o que os responsáveis pelo estudo determinam como “caso suspeito”, não dá para saber se todas as pessoas com sintomas de covid-19 foram submetidas a testes PCR. “Isso é crucial para a determinação da eficácia (da vacina)”, afirmam.
A carta menciona ainda que a eficácia da vacina foi homogênea em todas as faixas etárias e que há outros resultados “altamente coincidentes”. Os cientistas dizem que “isso é possível”, mas reiteraram o pedido para ter acesso aos dados originais “para um exame minucioso”.
Resposta
Em resposta publicada no mesmo periódico também na quarta-feira, cientistas do Instituto Gamaleya, que desenvolve a vacina, lembraram que o imunizante “recebeu o registro em 51 países”, o que confirmaria “total transparência e conformidade com os requisitos regulamentares”.
Sobre a crítica às análises provisórias adicionadas ao estudo, o Gamaleya falou que o protocolo com as alterações foi submetido à Lancet “junto com o restante dos documentos para revisão”
A resposta também comenta as questões levantadas sobre suspeita e diagnóstico de covid entre os voluntários da pesquisa, mas não responde às dúvidas. O Gamaleya não falou quais critérios foram usados para estabelecer as suspeitas e nem quando o teste PCR foi feito.
Sobre a homogeneidade da eficácia entre as diferentes faixas etárias, o Gamaleya falou que isso “apenas confirma o fato de que, conforme descrito no artigo, a eficácia da vacina não difere entre as faixas etárias.” O instituto não comentou os pedidos para o compartilhamento dos dados brutos.
Em relação aos voluntários, o Gamaleya confirma a exclusão de 13 986 participantes do estudo. “Alguns desses voluntários foram selecionados e ainda não tinham sido randomizados, e outros foram excluídos de acordo com os critérios de exclusão ou não atenderam aos critérios de inclusão.” Eles não mencionam quais são os critérios de exclusão e inclusão.
Conteúdo Agência Estadão/Mariana Hallal
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