(Por Rogério Borges, é jornalista, professor, editor da Ermira originalmente publicado no perfil dele no Facebook)
Em uma noite sombria e com baixa umidade do ar em Brasília, enquanto Marcela guardava as compras do supermercado na dispensa do Palácio da Alvorada e reclamava do desajuste do preço do Toddynho do Michelzinho, o presidente Temer escovava sua capa e polia o ataúde antes de se deitar.
De repente, um vulto pálido, com cara de múmia, lhe surgiu de relance. Ele quase gritou, mas se conteve ao pensar que gritos histéricos são coisa do universo feminino. Levitando um palmo acima do chão – Temer dispensa as pantufas em seu quarto – ele se dirigiu até aquele canto que estava na penumbra.
Seu espanto foi aterrador. Temer temeu pelo pior. Num gesto rápido, cobriu rapidamente o rosto com sua capa de carmim negro, trazida diretamente de sua estância de inverno na Transilvânia, onde cria um Lobão. Seus olhos brilharam de ódio e ferocidade.
Marcela, sempre muito recatada, ao ver o marido transtornado, quis saber o que era. Temer apontou o canto sombrio de onde acabara de fugir, contou o que ocorrera. Por pouco, ele não escapou pela ampla janela em meio a uma nuvem de fumaça e batendo asas sobre o Paranoá, sua rota de fuga preferida em situações de emergência.
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Marcela se aproximou do local para averiguar se havia o tal vulto pálido que seu marido lhe descrevera. Logo se deparou com um espelho. Ela então disse que a tal assombração era apenas o reflexo de Temer. Ele, porém, lembrou-a que sua estirpe de político, assim como José Serra, não tem reflexo no espelho.
Ela então afastou a cortina adquirida ainda nos tempos do Sarney. Imediatamente deu um grito e desfaleceu no chão. Temer, sem ação, se perguntava: tê-la-ia visto a mesma figura funesta que ele? Sem saber bem o que fazer, pensou em ligar para o Jucá para estancar aquela sangria doméstica, mas desistiu. Pensou o quanto o Cunha fazia falta nessas horas de enfrentamento de seus inimigos.
Alguns minutos depois de inércia que fez o palácio lembrar dos tempos do governo Dilma, Temer decidiu encarar o perigo frente a frente. Ao chegar mais perto, ele pôde, enfim, discernir um homem que o olhava fixamente. Seu semblante ficou ainda mais carregado.
Ele então lançou uma maldição contra aquele ser pérfido. Uma criatura que ele, Temer, jamais poderia imaginar que existisse.
– O que queres de mim?, bradou o inquilino do Palácio, com voz embargada.
O ser etéreo respondeu calmamente:
– Uai, sô… gostaria de me aposentar…
Temer, estarrecido com aquelas palavras insanas, respondeu:
– Jamais! Saia da minha frente, trabalhador honesto! Como conseguiu entrar aqui, neste Palácio, sendo tão ilibado?
A dúvida o consumia.
– Uai, sô… Eu trabalho aqui desde a época do seu Juscelino. Vim de Minas com ele. E pelo que tô sabendo, com essa Reforma da Previdência, eu só vou conseguir me aposentar depois que seu Aécio for eleito. Mas isso pode demorar demais, sô!
Assombrado pela única pessoa que conhece que não está na Planilha da Odebrecht, Temer decidiu voltar para o Jaburu.
Mas todas a noites, nos jardins do Alvorada, é possível ouvir o choro de um homem que vaga sem cessar, com a alma condenada a nunca dar baixa em sua carteira de trabalho.