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“Os beijos de Lênin”, de Yan Lianke, lançado pela Record

Um dos mais premiados e importantes autores chineses contemporâneos, Yan Lianke consegue como poucos traduzir as sutilezas e idiossincracias de seu país. Mas seu estilo satírico habitualmente lhe coloca em situações não muito agradáveis com o governo chinês. Em abril, chega às livrarias pela Record “Os beijos de Lênin”, romance que lhe rendeu o prêmio Lao She, um dos mais prestigiosos do país, mas que também causou sua demissão; na época, Lianke trabalhava como redator de propaganda para o Exército Popular da Libertação.

A trama é uma espécie de alegoria da transição confusa para o capitalismo empreendida pelo país na década de 1990. O cenário é Avivada, uma pequena vila rural nas profundezas de uma montanha. Criado sem querer durante uma realocação forçada na dinastia Ming, o vilarejo é formado apenas por moradores com deficiência. Vivem pacificamente, um tanto esquecidos pelas autoridades, sob o comando de Vovó Mao Zhi.

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Lianke começa a história quando uma nevasca surpreende os moradores de Avivada em pleno verão. A tragédia acaba com as plantações de trigo da população, e o perigo da fome no inverno fica mais próximo. Assim, o novo chefe do condado acaba tendo que ir até lá para oferecer seu apoio. E dá uma ideia para resolver o problema: comprar da Rússia o corpo embalsamado de Lênin, construir um magnífico mausoléu e, assim, atrair turistas e dinheiro para a vila. Para levantar fundos para a compra, o chefe convence os moradores a criar uma trupe de artistas que viajaria pelo país mostrando suas habilidades especiais – um freak show itinerante.

Mas quando a empreitada se mostra bem sucedida e o dinheiro começa de fato a entrar, os moradores terão que lidar com o lucro pela primeira vez na vida. E isso não vai ser nada fácil. Lianke expõe com ironia e humor negro a brutalidade e a corrupção por trás dos dois regimes – seja o comunismo ou o capitalismo. O autor usa ainda recursos narrativos para corroborar suas críticas: as notas de rodapé e os capítulos, por exemplo, são numerados apenas com algarismos ímpares, uma alusão ao não-dito e à censura ainda comum no país.

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TRECHO:

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“Mas, naquele ano de fome, o festival acabou sendo organizado pelo próprio chefe Liu. Avivada era uma comunidade agitada. Quando o chefe Liu saiu da casa da Vovó Mao Zhi, ele já estava na aldeia havia nove dias. Em quatro deles, o tempo tinha ficado bom e muitas pessoas já haviam começado a plantar milho nos campos esburacados, mas, como tanto os declives quanto os campos planos absorveram água demais, era aconselhavel deixá-los secando por vários dias antes de plantar. Quanto aos fundos para grãos que forram arrecadados na sede do condado, o secretário Shi retornaria com o relatório e algum dinheiro antes de a noite cair. É claro, seria necessário realizar um festival de avivamento para distribuí-lo entre as pessoas. O governo cuidava do povo, e o povo devia se lembrar da bondade do governo; era assim que as coisas funcionavam havia milhares de anos.”

LEIA AS RESENHAS –

Resenha The Guardian – bit.ly/2GbhO53

Resenha Independent – ind.pn/2I2a8Tp

Resenha New York Times – nyti.ms/2I8uVVw

Altair Tavares: