Destaques • atualizado em 10/02/2017 às 01:14

Prefeitura de Goiânia processada em R$30 milhões por mau uso do dinheiro de multas

Promotora de Justiça Alice de Almeida Freire (Foto: Divulgação)
Promotora de Justiça Alice de Almeida Freire (Foto: Divulgação)

O Município de Goiânia utiliza de forma ilegal verbas provenientes da aplicação de multas pela Secretaria Municipal de Trânsito.  Esta é a conclusão do inquérito aberto pela promotora Alice de Almeida Freire, da 7ª Promotoria de Justiça de Goiânia, e que resultou em ação civil pública protocolizada nesta quinta-feira (9/2) contra o Município no Fórum de Goiânia.

Ao longo dos últimos 11 meses, a promotora analisou diversos documentos e informações prestadas por órgãos e agentes públicos e apurou que a Prefeitura não cumpre o que determina o artigo 320 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

De acordo com a lei federal, os valores oriundos da cobrança de multas devem ser aplicados exclusivamente em sinalização, engenharia de tráfego e de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito. É, portanto, uma arrecadação vinculada, carimbada. Segundo apuração da promotora, entre as despesas de 2015 informadas pela SMT consta, inclusive, que R$ 108 mil foram utilizados no pagamento da locação de veículo de passeio do secretário e para o custeio de café da manhã.

A SMT informou também o gasto de R$ 922 mil com o pagamento de despesas administrativas, conduta contrária ao disposto no Código de Trânsito Brasileiro. Pesa ainda contra o Município de Goiânia o fato de todos os recursos das multas serem direcionados para a conta única da Prefeitura, na Secretaria de Finanças, e não ficarem na SMT para a correta aplicação. Os recursos financeiros advindos das multas da SMT passaram a ser entregues para o Município por meio da Secretaria Municipal de Finanças, que, além de controlar as verbas, também arcava com repasse e pagamento de servidores da Guarda Civil Metropolitana, segundo depoimentos.

A SMT informou que em 2015 arrecadou com multas de trânsito o total de R$ 32 milhões, dos quais R$ 30,5 milhões teriam sido utilizados em despesas nas categorias de educação de trânsito, administrativas, fiscalização, engenharia e sinalização e implantação. Contudo, o órgão não apresentou qualquer documento que comprovasse esta destinação, bem como não justificou como foi usado o saldo remanescente, superior a R$ 1,5 milhão.

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Na ação, Alice Freire informa que em 2014 e 2015 o poder público municipal desenvolveu somente nove campanhas de educação para o trânsito e que em 2016 não foi apresentado nenhum projeto neste sentido. Também verificou que os serviços de sinalização foram inexpressivos, atingindo 167 bairros da capital em 2015 e 95 no primeiro trimestre de 2016, de um total de mais de 540 bairros cadastrados em Goiânia. “Tudo isso tem resultado em um trânsito desordenado, ausência de fiscalização e flagrantes infrações praticadas pelos condutores de veículos”, afirma.

Poucos agentes

Outro problema levantado pela promotora é o pequeno número de agentes da SMT. Dados apresentados pelo órgão informaram que são 319 agentes, dos quais somente 254 atuam na fiscalização. Os demais encontram-se em funções administrativas ou à disposição de outros órgãos. Como a frota de Goiânia supera 1,1 milhão de veículos, tem-se a média superior a 27 mil veículos por agente de trânsito, enquanto o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) recomenda o máximo de 2 mil veículos por agente. Foi verificado ainda que, apesar de a Lei nº 9.323, de 2013, ter criado o Conselho Municipal de Transporte e Mobilidade de Goiânia, o órgão ainda não está implantado.

Para exemplificar o problema que se transformou o trânsito, estatísticas apresentadas na ação informam que entre 2008 e 2013 Goiânia esteve entre as seis capitais com maior índice de mortalidade no trânsito. Outros números, constantes de dados das polícias Civil e Militar, mostram que na capital foram registrados 17.070 acidentes de trânsito com e sem vítimas entre 2010 e 2015. Somente o Hospital de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol) atendeu, entre janeiro e novembro de 2016, um total de 5.127 vítimas de acidentes de trânsito na emergência da unidade.

Para Alice Freire, o investimento em políticas de melhoria do trânsito e a garantia da segurança dos usuários das vias não é prioridade do Município de Goiânia, o que não se deve à falta de recursos, tendo em vista o expressivo montante oriundo da aplicação de multas. Para ela, isso é consequência da má gestão, negligência e descaso do poder público com o gerenciamento das verbas. Em contrapartida, o que se vê atualmente é o sucateamento da SMT, com contratos rompidos ou suspensos, máquinas e veículos parados e aluguel dos imóveis atrasados, como atrasados também o pagamento das contas de luz, água e serviços de correio, conforme afirmaram servidores e dirigentes ouvidos na Promotoria.

Pedidos à justiça

Para buscar reverter o quadro caótico e desordenado que se transformou o trânsito de Goiânia, o Ministério Público de Goiás, por meio da 7ª Promotoria de Justiça, solicitou liminarmente ao Poder Judiciário a imediata abertura de conta específica destinada exclusivamente ao recebimento dos recursos provenientes da arrecadação de multas de trânsito pela SMT, garantindo sua aplicação conforme o artigo 320 do CTB; proibir a utilização da receita da aplicação de multas em atividades ou serviços diferentes daqueles previstos no artigo 320 e que seja providenciado o retorno imediato de todos os agentes de trânsito para a atividade de fiscalização.

No mérito da ação, Alice Freire requer a confirmação dos pedidos liminares bem como a estruturação da SMT com recursos humanos e materiais necessários ao pleno atendimento da política nacional de trânsito, inclusive aumentando o número de agentes contratados por concurso, além da efetiva implantação do Conselho Municipal de Transportes e Mobilidade, com estrutura para desempenhar as funções previstas na lei nº 9.323/2013.

Pede também que o Município de Goiânia seja condenado ao pagamento de R$ 30 milhões, a fim de reparar o dano à coletividade, em razão da ausência de investimentos em políticas de gestão e melhoria do trânsito. Este valor, que deverá ser revertido à reestruturação da SMT, corresponde à média dos gastos indevidamente utilizados entre 2013 e 2015 com despesas administrativas, somados aos pendentes de comprovação da correta destinação. Este período deve-se à reforma administrativa realizada em 2013, quando a Agência Municipal de Trânsito transformou-se em Secretaria Municipal de Trânsito. (Com informações da Assessoria de IMprensa do MP)


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